segunda-feira, 20 de julho de 2015

Escala de Locus de controle da dor: adaptação e confiabilidade para idosos

Escala de Locus de controle da dor: adaptação e confiabilidade para idosos


Louise G. AraújoI; Débora M. F. LimaII; Rosana F. SampaioIII; Leani S. M. PereiraIII
IDepartamento de Fisioterapia, Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Belo Horizonte (MG), Brasil
IIFisioterapeuta
IIIDepartamento de Fisioterapia, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil




RESUMO
CONTEXTUALIZAÇÃO: A dor é considerada uma experiência multidimensional e muito prevalente em idosos. Olocus de controle da dor tem se tornado fundamental para entender como percepções, expectativas e crenças individuais se relacionam a comportamentos, atitudes, enfrentamento e aderência dos idosos frente às condições de saúde e propostas de tratamento. Estudos focados na adaptação e confiabilidade de instrumentos são necessários para os profissionais de saúde. Objetivos: Realizar a adaptação transcultural, para o Brasil, do instrumento Pain Locus of Control Scale (forma C da Multidimensional Health Locus of Control ) e avaliar sua confiabilidade intra e interexaminadores em uma amostra de 68 idosos comunitários, com dor crônica não oncológica.
MÉTODOS: A adaptação transcultural da escala foi feita conforme metodologia padronizada por Beaton et al. (2000)*. Para análise estatística, foram usados os coeficientes de correlação de Pearson (CCP) e de correlação intraclasse (CCI) (p<0.05).
RESULTADOS: A média de idade dos idosos foi de 69,6±5,5 anos, predominando mulheres, de baixa renda e escolaridade. O tempo médio de evolução da dor foi de 10,2 anos, e o principal diagnóstico clínico foi a osteoartrite. A confiabilidade da escala mostrou-se adequada com correlação de regular a muito forte (CCP=0,60 a 0,93) e de moderada a quase perfeita (CCI =0,60 a 0,93), principalmente nas subescalas de controle ao acaso e de profissionais médicos e de saúde.
CONCLUSÃO: Após as adaptações e as adequações da escala para aplicação em idosos, verificou-se sua aplicabilidade e confiabilidade adequadas na amostra estudada.
Palavras-chave: controle da dor; confiabilidade; adaptação transcultural; idosos.



Introdução
Estimativas indicam que 80% dos idosos apresentam problemas de saúde que os predispõem ao desenvolvimento de dor crônica. Inquéritos populacionais brasileiros mostraram que mais de 60% dos idosos relataram doenças crônicas causadoras de dor1. Em ambulatórios fisioterápicos americanos, 50% dos pacientes eram idosos que relatavam a dor como queixa principal.
As repercussões da dor crônica na qualidade de vida do idoso envolvem sua associação com depressão, incapacidade e mortalidade3. A alta prevalência de dor crônica demanda a utilização de maiores recursos financeiros e de saúde, o que reflete negativamente nos sistemas de saúde, no indivíduo e na sociedade4.
A abordagem mais utilizada para o tratamento da dor crônica é a medicação. No idoso, algumas limitações dessa terapêutica merecem consideração: o alto custo, os frequentes efeitos colaterais negativos e a menor eficiência na melhora dos sintomas. Essas limitações potencializam a procura por outras abordagens, como a fisioterapia, a psicoterapia e a terapia comportamental5,6.
A dor é conceituada como uma experiência multidimensional4. Estudos relacionados à experiência de dor persistente apontam para a necessidade de considerar uma perspectiva biopsicossocial para a sua avaliação e tratamento. Nesse modelo, os fatores psicossociais interagem com os biológicos5,7.
Dentre os instrumentos mais utilizados para avaliar a dor, destaca-se a Escala Visual Analógica (EVA) e o questionários McGill. A EVA é uma medida unidimensional de intensidade da dor8. Já o questionário de dor McGill, apesar de multidimensional (avalia propriedades, qualidade, distribuição espacial e intensidade da dor), não contempla as expectativas e crenças do indivíduo frente à dor. Instrumentos com foco nesses fatores tornam-se necessários quando se considera a interferência deles, nas atitudes do indivíduo frente ao tratamento proposto9.
Evidências apontam que fatores psicológicos parecem interferir mais acentuadamente que os fatores sociais, demográficos e físicos nas experiências dolorosas e mostram ser mediadores importantes no tratamento da dor crônica. Estudos prévios, com análises estatísticas multivariadas em adultos e idosos com dor crônica, concluíram que fatores psicológicos (percepção de controle da dor, sentimento de incapacidade em lidar com a dor e estratégias de enfrentamento passivas) estão associados à depressão, à pior qualidade de vida, à incapacidade funcional e à intensidade da dor10-12 .
De acordo com os fatores relacionados à dor, destaca-se a percepção do controle da dor, o locus de controle (LC), baseado na teoria do aprendizado socia13. A teoria defende que, com base nas experiências pessoais previamente vividas, as pessoas adquirem uma percepção de controle da dor que pode sofrer influência de novas experiências14. O LC da dor tem se tornado fundamental para entender como as percepções, as expectativas e as crenças individuais se relacionam ao comportamento, atitudes, enfrentamento e aderência dos idosos frente às suas condições de saúde e propostas de tratamento14.
Existem dois locais nos quais o indivíduo pode perceber predominantemente quem ou o que detém o controle dos eventos da sua vida: internamente (o indivíduo percebe que os eventos da vida são controlados por ele mesmo) ou externamente15. Os fatores externos são subdivididos em controle ao acaso (o indivíduo percebe que os eventos da vida são controlados por fatores, como azar, sorte ou destino) ou por pessoas poderosas (o indivíduo percebe que quem controla os eventos são profissionais de saúde, familiares e outras pessoas)14,15.
Embasados nessa teoria, Wallston, Wallston e De Vellis15 formularam a escala Multidimensional Heath Locus of Control (MHCL) (formas A e B), desenvolvida para avaliar o LC de estados gerais de saúde. Essas formas já foram traduzidas e adaptadas para o Brasil e suas propriedades psicométricas já foram verificadas em nossa população16,17. As formas A e B são mais adequadas para observar a percepção do LC de estados gerais de saúde, limitando sua observação a condições específicas de saúde, tais como câncer e dor18-20.
Diante da necessidade de adaptação das formas A e B para avaliar a dor, o autor da escala original propôs o desenvolvimento da forma C20. Essa escala visa classificar o local no qual o indivíduo percebe predominantemente quem ou o que detém o controle da sua dor. A análise fatorial dos componentes principais dessa nova escala revelou quatro dimensões: LC interno, LC ao acaso, LC em outras pessoas (amigos e familiares), LC em médicos e profissionais de saúde20. Não foram encontrados outros estudos publicados que tivessem realizado a adaptação transcultural para o Brasil e avaliado as propriedades psicométricas dessa nova escala específica para dor e/ou para idosos.
Estudos indicam que indivíduos que percebem o controle da dor externamente possuem maior incapacidade funcional, exibem mais alterações psicológicas, utilizam mais os serviços de saúde e mais frequentemente estratégias de enfrentamento, como idéias catastróficas, preces e diminuição das atividades17,21. Em contrapartida, indivíduos que possuem uma percepção do LC interno descrevem a dor com menor frequência e intensidade, possuem limiar de dor mais alto, melhor funcionalidade e utilizam estratégias de enfrentamento focadas no problema. Eles apresentam também menos alterações psicológicas, maior integração social, mais aderência aos tratamentos de orientação e melhores condições de saúde22,23.
Apesar de o LC ser identificado como relevante e bastante estudado19,21 no Brasil, na revisão de literatura realizada para o presente trabalho, foram encontrados poucos estudos que utilizam o construto de LC da saúde e da dor16,17. Não foi encontrado nenhum estudo publicado, metodologicamente padronizado, de tradução, adaptação transcultural e análise da confiabilidade da forma C da escala para a avaliação do LC da dor para os idosos brasileiros.
A terapia comportamental se baseia em ensinar ao indivíduo estratégias cognitivas e comportamentais para controlar a dor; informar sobre o efeito de estratégias específicas (pensamentos, crenças e atitudes), emoções (medo da dor) e comportamentos (evitar atividades devido ao medo da dor) e enfatizar o papel primário que ele tem no controle da dor e na sua adaptação frente a ela.
Acredita-se que a terapia comportamental é compatível com a atuação fisioterapêutica, porque ambas promovem a adoção de estratégias de automanejo para o tratamento da dor24. Conhecer o LC da dor do paciente permite ao fisioterapeuta e demais profissionais da saúde incentivar a modificação de comportamentos inadequados e a utilização de habilidades específicas de enfrentamento, influenciando na melhora da aderência aos exercícios e da capacidade funcional9.
O objetivo do presente estudo foi realizar o processo de tradução e adaptação transcultural do instrumento Pain Locus of Control Scale (forma C) para idosos brasileiros com dor crônica, residentes na comunidade, e testar a confiabilidade intra e interexaminadores do instrumento na amostra pesquisada.

Materiais e métodos
Trata-se de um estudo do tipo metodológico aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte (MG), Brasil (ETIC 110/06). Participaram 68 idosos brasileiros comunitários, com dor crônica, não oncológica, persistente há mais de três meses, e com idade igual ou superior a 60 anos: 30 idosos na fase piloto para observação da aplicabilidade da escala e 38 idosos na fase de análises de confiabilidade. Os participantes foram selecionados em serviços ambulatoriais de Clínicas Escolas de Belo Horizonte (MG), Brasil.
Foram excluídos os idosos com dor aguda, com déficits visuais e/ou auditivos e os que apresentavam alterações cognitivas avaliadas pelo Miniexame do Estado Mental (versão brasileira)25.
Instrumentos
Para a caracterização da amostra, aplicou-se um questionário estruturado, elaborado pelos autores, contendo dados clínicos e sociodemográficos.
A escala traduzida e adaptada para a população idosa brasileira neste estudo foi a forma C da Escala Multidimensional de LC da Saúde (MHLC), que mostrou propriedades psicométricas aceitáveis no estudo original em uma amostra americana (n=588) composta por adultos: consistência interna com α maior que 0,7 em todas as subescalas. A confiabilidade teste reteste, em um intervalo de seis semanas, por meio do coeficiente dePearson (CCP), mostrou correlações de regular (r=0,40) a forte (r=0,80) entre as respostas20.
Seguindo recomendação do autor, a aplicação da escala foi realizada substituindo a palavra saúde pela palavra dor. A escala apresenta 18 itens divididos em quatro subescalas, que correspondem aos fatores avaliados pelo instrumento: percepção de LC interno (6 itens), LC ao acaso (6 itens), LC outros poderosos: médicos e profissionais de saúde (3 itens) e LC outras pessoas (3 itens)20. Considerando a baixa escolaridade dos idosos brasileiros, após autorização do autor da escala original, ela foi aplicada em forma de entrevista, e foram utilizadas somente quatro opções de resposta: "Não concordo muito" (1 ponto), "Não concordo pouco" (2 pontos), "Concordo pouco" (3 pontos) e "Concordo muito" (4 pontos), diferentemente da escala original que contempla seis opções. Cada subescala recebe pontuação independente, variando de 6 a 24 (subescalas de LC interno e ao acaso) e de 3 a 12 (subescalas de LC em profissionais de saúde e outras pessoas). Cada uma pode ser aplicada separadamente e, quanto maior sua pontuação, maior o LC na dimensão. As percepções predominantes de controle da dor foram analisadas considerando-se as subescalas com maiores pontuações.
Procedimentos
Após o autor autorizar a adaptação transcultural da escala e o termo de consentimento livre e esclarecido ter sido assinado pelos participantes, o estudo foi dividido em duas fases. Na primeira fase, realizou-se o processo de tradução e adaptação transcultural da escala, seguindo a metodologia proposta por Beaton et al.26, que contempla as seguintes etapas: tradução, síntese das traduções, retrotradução, discussão com um comitê de especialistas e aplicação da versão pré-final da escala (fase piloto). Na fase piloto, a versão pré-final foi aplicada em 30 idosos. Nessa oportunidade, foram detectadas algumas expressões de difícil compreensão pelos participantes. Elas foram novamente submetidas para análise do comitê de especialistas.
A discussão interdisciplinar com os participantes do comitê, dois médicos (anestesiologista e geriatra), um psicólogo, um fisioterapeuta, um metodologista da pesquisa científica, um tradutor e um retrotradutor, auxiliou na solução das discrepâncias semântica, idiomática, cultural e conceitual entre a versão original e a versão adaptada da escala. Após essa segunda discussão, foi estabelecida a versão final para a coleta de dados referentes à análise da confiabilidade (Anexo 1). A discussão com o comitê de especialistas culminou em sugestões para facilitar a compreensão da escala pelos idosos: explicação inicial sobre o preenchimento da escala, permissão da fala espontânea dos idosos após a leitura de cada item e utilização de uma escala visual com as quatro opções de resposta.
A explicação sobre o preenchimento da escala ocorreu da seguinte forma: antes da aplicação, foi explicado ao idoso que não havia resposta certa ou errada para os itens e que, concordar ou não, dependia das experiências individuais relacionadas à dor. A permissão da fala espontânea dos idosos, após a leitura pelo examinador de cada item, facilitou a compreensão. Nesse momento, os idosos, por meio de situações previamente vividas e repetindo as frases com outras palavras, compreendiam melhor o item e escolhiam as respostas com mais segurança. Por exemplo, durante o preenchimento do item 6: "Sou eu que posso melhorar ou piorar a minha dor", após a leitura da frase, o aplicador perguntava ao idoso: "Você acha que você pode melhorar ou piorar a sua dor? Dê um exemplo".
Na utilização da escala visual com as opções de resposta para pontuação de cada item, após a leitura da frase, perguntava-se ao participante se ele concordava ou não com o item. A partir dessa primeira resposta, a escala visual com as quatro opções (escritas em letra tamanho 18 e com cores diferentes) era lida e mostrada ao participante para a escolha da resposta final.
As avaliações foram realizadas em consultório com a presença apenas do avaliador e do participante. Dois examinadores, previamente treinados, foram responsáveis pela coleta de dados.
Na segunda fase do estudo, referente à análise das confiabilidades intra e interexaminadores, a escala foi aplicada de maneira independente e mascarada quanto ao resultado anterior. Para a análise da confiabilidade interexaminadores, o idoso compareceu no primeiro dia de avaliação, e os dois examinadores aplicaram a escala em momentos diferentes.
Para a análise da confiabilidade intraexaminadores, os idosos retornaram em um segundo dia de avaliação, em um intervalo máximo de cinco dias, e responderam à escala para o mesmo avaliador anterior. Nenhum tratamento adicional poderia ser iniciado durante o período entre as duas avaliações. Adotou-se o intervalo máximo de cinco dias com base na disponibilidade do idoso e visando evitar mudanças na percepção de LC da dor.
Análise estatística
Os dados referentes à caracterização da amostra foram analisados por meio de medidas de tendência central e dispersão e distribuição de frequências, baseadas na distribuição de cada variável.
As análises da confiabilidade foram realizadas utilizando-se o CCP e o coeficiente de correlação intraclasse (CCI). Para a análise com o CCP, o cálculo amostral indicou a necessidade de 22 idosos e, para a análise com o CCI, identificou-se a necessidade de 28 idosos. Os cálculos consideraram correlação (CCP) e concordância (CCI) significativas maior ou igual a 0,5, duas medidas repetidas, um poder de 0,8 e um nível de significância de 5%.
Para determinar as confiabilidades, considerou-se um nível de significância de 5%. A interpretação dos resultados obtidos no CCI baseou-se nos pontos de corte sugeridos por Landis e Koch27, que adotam: abaixo de 0=pobre; 0 a 0,20=fraca; 0,21 a 0,40=regular; 0,41 a 0,60=moderada; 0,61 a 0,80 boa e 0,81 a 1=quase perfeita27. Para a interpretação dos resultados obtidos com o CCP, adotaram-se os critérios sugeridos por Tiboni28, que adota r=0,0 (correlação nula); 0,1 a 0,3 (fraca); 0,31 a 0,6 (regular); 0,61 a 0,9 (forte), 0,91 a 0,99 (muito forte) e 1,0 (perfeita)28.

Resultados
A média de idade foi de 69,6±5,5 (60-81) anos. Os dados clínicos e sociodemográficos podem ser observados na Tabela 1.


Os resultados demonstram maiores índices de consistência nas subescalas de LC ao acaso e em médicos e profissionais de saúde. A subescala que mostrou menor consistência nos resultados foi LC em outras pessoas, como familiares e amigos.
Os valores médios obtidos em cada subescala nas duas avaliações para demonstração da confiabilidade intra e interexaminadores com o CCP e o CCI podem ser observados nas Tabelas 2 e 3.




Na aplicação da primeira versão da escala, 53,4% dos idosos relataram dificuldade razoável e 20%, muita dificuldade no preenchimento. Após as adequações sugeridas pelo comitê de especialistas, os resultados indicaram que 42% relataram nenhuma dificuldade; 31,6%, razoável; 26,4%, pouca dificuldade e nenhum idoso relatou muita dificuldade.

Discussão
Durante o processo de tradução e retrotradução, uma dificuldade encontrada, e já relatada na literatura, foi a escolha de sinônimos para termos que eram adjetivos ou descreviam sentimentos, como os termos: a big role eplays a big part29. Considerando que alguns termos não possuem correspondentes em português, fez-se necessário uma tradução realizada pelo contexto. Frente à dificuldade na tradução literal, a subjetividade do construto avaliado pela escala e as características da amostra estudada, idosos brasileiros, nos quais peculiaridades emocionais e cognitivas são regras inerentes ao processo do envelhecimento, tornou-se imprescindível uma adequação na aplicação da escala, permitindo-se a fala espontânea e exemplos por parte dos idosos para a escolha das respostas. Essa forma de aplicação facilitou a compreensão dos itens para tal população específica.
A realização de uma fase piloto (aplicação da escala em 30 idosos), antes do estabelecimento da versão final, fortaleceu a importância dessa etapa bem como a discussão com o comitê de especialistas no processo de tradução e adaptação de instrumentos. Recomenda-se que a aplicação da escala em idosos siga os seguintes procedimentos: explicação sobre o preenchimento da escala, permissão da fala espontânea dos idosos e utilização de uma escala visual para a escolha das respostas. Nesse sentido, Scherest, Fay e Zaidi30 apontam que, muitas vezes, é mais importante explicar o significado de uma expressão do que tentar parear vocábulos sinônimos30.
As consistências das subescalas avaliadas pelo instrumento mostraram-se adequadas com índices de confiabilidade intra e interexaminadores, no mínimo moderada no CCI e regular e muito forte no CCP. A comparação dos resultados encontrados com os de outros estudos foi limitada devido às diferentes formas de análise da confiabilidade propostas pela literatura. A maioria deles avaliou a consistência da escala utilizando somente uma análise da consistência interna das formas A ou B da escala MHLC16,21. Wallston, Stein e Smith20utilizaram a forma C da escala, como no presente estudo, para análise da confiabilidade teste reteste em uma população jovem, de bom nível educacional, com vários tipos de dor crônica não oncológica. Esses autores observaram um CCP que variava de regular a forte nas subescalas em um intervalo de seis semanas: r=0,80 na subescala de LC interno; r=0,72 na ao acaso, r=0,58 na médicos e profissionais de saúde e r=0,40 na outras pessoas20.
No presente estudo, foram encontrados índices maiores no CCP se comparados ao estudo de Wallston, Stein e Smith20. Essas diferenças podem estar relacionadas ao intervalo de tempo decorrido entre as aplicações da escala que, no presente estudo, foi de cinco dias no máximo e, no estudo anterior, foi de seis semanas. Wallston, Stein e Smith20 justificam que o intervalo de seis semanas entre as aplicações pode ter influenciado as percepções das fontes de controle pelos participantes, interferindo na confiabilidade20. Esses achados fortalecem a evidência, já relatada por outros autores, de que o LC da dor é um construto subjetivo que pode, portanto, sofrer influência de novas experiências vivenciadas pelo indivíduo21,22 .
Neste estudo, observou-se uma maior consistência das respostas nas subescalas de LC ao acaso e médicos e profissionais de saúde e uma menor consistência nas subescalas de LC interno e outras pessoas. Embora não se tenha encontrado nenhum estudo que discuta tais diferenças, esses achados podem estar relacionados aos acontecimentos e experiências cotidianos vivenciados e relatados pelos idosos que pareceram influenciar as percepções de controle da dor.
Durante a segunda aplicação da escala para a análise da confiabilidade intraexaminadores, que permitiu um intervalo de até cinco dias entre as aplicações, situações objetivas foram conscientemente relatadas: três idosos perceberam a diferença na escolha das respostas fornecidas ao examinador e justificaram com acontecimentos ocorridos. Um deles relatou ter carregado peso excessivo e ter feito faxina em casa, outro relatou ter tido um contato social prazeroso com uma vizinha, e o outro relatou ter brigado com familiares. Esses fatos, mesmo corriqueiros, podem ter influenciado a escolha das respostas e repercutido em uma menor consistência delas nas subescalas que avaliam a percepção de LC da dor interno e em outras pessoas.
O número de itens contido na subescala outras pessoas (três itens) pode ter influenciado a menor consistência nas respostas, conforme já pontuado em outro estudo20. Porém, essa justificativa deve ser interpretada com cautela, pois não se observou menor consistência na subescala médicos e profissionais de saúde, também com três itens.
Quanto aos fatores que parecem influenciar a crença de controle ao acaso e em médicos e profissionais de saúde, não foi permitido iniciar novos tratamentos ou realizar consultas médicas no intervalo entre as aplicações. Nenhum idoso relatou fatos diferentes daqueles da primeira avaliação que pudessem ter influenciado as suas crenças.
Embora a literatura aponte que a confiabilidade intraexaminador é, na maioria dos estudos, melhor que a confiabilidade interexaminadores, no presente estudo, esse resultado foi diferente. Tal achado pode ter sofrido influência do tempo decorrido entre as aplicações para a análise da confiabilidade: as aplicações foram realizadas no mesmo dia para a análise interexaminadores, com um intervalo de, aproximadamente, 60 minutos e admitiu-se um intervalo máximo de cinco dias entre as aplicações para a análise intraexaminadores. O intervalo de cinco dias pode ter proporcionado a ocorrência de acontecimentos na vida dos participantes que influenciaram os índices de confiabilidade das subescalas. Ressalta-se que se trata de uma escala multidimensional em que situações cotidianas que se refletem sobre os aspectos emocionais possivelmente repercutem na resposta dos idosos. No presente estudo, mesmo com diferentes pontuações nas subescalas entre as duas avaliações, os idosos continuaram sendo classificados com a mesma crença preferencial de controle da dor.
Neste estudo, verificou-se que a forma de aplicação da escala, permitindo relato dos idosos e utilizando a escala visual para a escolha das respostas, contribuiu para a consistência e para os índices de confiabilidade encontrados.
Algumas limitações deste estudo merecem consideração. A amostra foi de conveniência e houve heterogeneidade clínica dos idosos, o que pode ter interferido nos resultados.

Conclusão
O estudo mostrou a aplicabilidade da escala de LC da dor em uma amostra de idosos comunitários com dor crônica. A utilização da escala permitirá um maior conhecimento do LC da dor do idoso possibilitando, dessa forma, uma abordagem mais adequada da dor crônica nessa população. Esse estudo deve ser visto como um marco inicial no sentido do desenvolvimento da versão do instrumento Pain Locus of control (PLOC-C) para o português brasileiro, uma vez que amostras maiores e com características diferentes devem ser avaliadas, além da realização de estudos que investiguem outras propriedades psicométricas.

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 Correspondência para:
Louise Guimarães de Araújo
Rua Perdigão, 67, Apto 404, Fernão Dias
CEP 31910-190, Belo Horizonte (MG), Brasil
email: lgara@terra.com.br
Recebido: 18/09/2009 – Revisado: 02/02/2010 – Aceito: 30/04/2010


* Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91



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