segunda-feira, 20 de julho de 2015

Artroplastia total de quadril em idosos: impacto na funcionalidade

Artroplastia total de quadril em idosos: impacto na funcionalidade


Rita C. GuedesI; João M. D. DiasII; Rosângela C. DiasII; Viviane S. BorgesIII; Lygia P. LustosaI; Nayza M. B. RosaIII
ICentro Universitário de Belo Horizonte (UNI-BH), Belo Horizonte, MG, Brasil
IIDepartamento de Fisioterapia, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil
IIIFisioterapeuta




RESUMO
OBJETIVOS: Comparar os parâmetros da marcha e o desempenho funcional de idosos com e sem artroplastia total de quadril (ATQ).
MÉTODOS: Foram selecionados 23 idosos (72±6,5 anos) após média de 2,6±1,3 anos de ATQ e 23 idosos assintomáticos (70,1±5,9 anos), pareados por gênero, idade, índice de massa corpórea (IMC) e nível de atividade física. Utilizou-se o sistema GAITRite® em quatro situações distintas: velocidades habitual (VH), rápida (VR), lenta (VL) e tarefa dupla (TD). A capacidade funcional foi avaliada pelo Dynamic Gait Index (DGI) eTimed Up and Go (TUG). Na análise estatística, utilizaram-se os testes Shapiro-Wilkt-Student para amostras independentes, Qui-quadrado, ANOVA com medidas repetidas e t-Student pareado.
RESULTADOS: O grupo artroplastia (GA) apresentou piores resultados estatisticamente significantes no que se refere à velocidade de marcha (VM) (GA=1,18±0,13 e GC=1,39±0,09; p=0,012), índice de simetria (IS) do comprimento do passo (GA=3,60±1,01 e GC=1,12±0,59; p=0,000), IS do tempo do passo (GA=-2,65±0,92 e GC=0,99±0,74; p=0,000), IS da duração da fase de apoio (GA=-2,55 e GC=-1,04±0,50; p=0,005), IS da duração da subfase de apoio único (GA=-2,17±0,78 e GC=1,21±0,51; p=0,003), DGI (GA=20,04±1,91 e GC=21,69±1,45; p=0,001) e TUG (GA=14,67±1,94 e GC=10,08±1,49; p=0,001).
CONCLUSÃO: Idosos com ATQ apresentaram alterações nos parâmetros da marcha, mesmo após 2,6±1,3 anos de cirurgia, e pior desempenho no teste TUG, indicando comprometimento funcional.
Palavras-chave: idoso; osteoartrite; quadril; artroplastia; marcha.



Introdução
A artroplastia total primária de quadril (ATQ) é um procedimento cirúrgico amplamente utilizado no tratamento da osteoartrite de quadril1. Não existem estatísticas referentes ao número de ATQs feitas no Brasil, mas estima-se que, em 2026, os valores anuais desse tipo de cirurgia sejam em torno de 572.000, levando a um custo de 15 bilhões de dólares por ano nos Estados Unidos2. Sua principal indicação é a presença de dor intensa3 acompanhada de limitação funcional4. Esse procedimento é uma das cirurgias ortopédicas mais bem sucedidas, com resultados satisfatórios, como alívio de dor e melhora da função física, permitindo que o indivíduo retorne às suas atividades de vida diária (AVDs)5.
A avaliação da marcha é importante na mensuração dos resultados pós-operatórios da ATQ, sendo um importante indicador de recuperação funcional5,6. Dessa forma, a independência do indivíduo está diretamente relacionada à habilidade de ajustar a marcha às demandas diárias em diversos ambientes, como, caminhar em diferentes velocidades e superfícies, muitas vezes associadas às tarefas que exigem sua atenção6.
As alterações da marcha manifestam-se nas medidas temporais e espaciais, como na velocidade da marcha (VM), no comprimento do passo e na duração das fases de apoio e oscilação6,7. Entretanto, não existe consenso na literatura sobre a melhora continuada da marcha após ATQ. Alguns estudos demonstram deterioração ao longo do tempo5,8 , e outros, melhora desses parâmetros após a artroplastia6,9.
Kyriasis e Rigas8 compararam os parâmetros da marcha de indivíduos de quatro grupos distintos: antes, após um ano, após 10 anos de ATQ e indivíduos sem cirurgia, quando solicitados a andar em velocidades habitual e rápida (VH e VR). Os autores observaram que os voluntários submetidos à ATQ melhoraram os parâmetros da marcha ao longo do tempo, mas permaneceram piores em relação ao grupo controle (GC). Bennett et al.5realizaram análise tridimensional da marcha de idosos após dez anos de ATQ, comparando-os com idosos assintomáticos. As variáveis analisadas foram VM, cadência, comprimento do passo e duração da fase de apoio, e ficou demonstrado um comprometimento significativo desses parâmetros, sugerindo que a atrofia muscular e a rigidez residual poderiam influenciar a marcha, mesmo muitos anos após a cirurgia.
Por outro lado, van den Akker-Scheek et al.6 avaliaram a marcha de um grupo de indivíduos antes, após seis semanas e após seis meses de ATQ e observaram melhora da VM, do comprimento e do tempo do passo após seis meses. Da mesma forma, Rasch, Dalén e Berganalisaram a marcha de 20 idosos antes, após seis meses e após dois anos de ATQ, identificando, antes da cirurgia, menor fase de apoio único no membro com osteoartrite de quadril, quando comparado ao membro contralateral. Após seis meses de cirurgia, os indivíduos recuperaram os padrões de marcha próximos da normalidade.
Sendo assim, na ausência de consenso em relação ao retorno a um padrão de marcha normal após ATQ, os objetivos deste estudo foram comparar os parâmetros temporais e espaciais da marcha de idosos com e sem ATQ nas situações de marcha habitual, com aumento da velocidade, com redução da velocidade e com a marcha associada a uma tarefa cognitiva, e ainda, comparar o desempenho funcional de ambos os grupos.

Materiais e métodos
Amostra
Considerando o cálculo amostral baseado nos parâmetros da marcha de estudos anteriores que utilizaram oGAITRite®10-12, a amostra deste estudo foi constituída por 46 idosos comunitários de ambos os gêneros, selecionados por conveniência e separados em grupo artroplastia (GA), com 23 indivíduos submetidos à ATQ, e GC, com 23 voluntários sem ATQ.
Foram excluídos os indivíduos submetidos a outro procedimento cirúrgico ortopédico nos membros inferiores (MMII) ou coluna vertebral; aqueles com relato de dor nos MMII não relacionada à ATQ; idosos em tratamento fisioterapêutico nos três meses anteriores à coleta de dados; aqueles com assimetria de comprimento dos MMII não corrigida, maior que 1,5 cm5; indivíduos com distúrbios de equilíbrio grave, doenças neurológicas, cardiovasculares e/ou musculoesqueléticas descompensadas que impossibilitassem a execução dos testes ou aqueles com quadro sugestivo de alterações cognitivas, indicadas no teste Miniexame do Estado Mental13. Os idosos do GC preencheram os mesmos critérios de seleção, com exceção do fato de não terem sido submetidos à ATQ. Para que os dois grupos fossem comparáveis, houve pareamento em relação ao gênero, idade, índice de massa corpórea (IMC) e nível de atividade física. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Belo Horizonte, MG, Brasil sob o parecer nº ETIC 586/08, e todos os voluntários assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Instrumentos
Os parâmetros da marcha foram analisados pelo sistema GAITRite® (MAP/CIR INK, Haverton, PA, USA), que consiste em um tapete eletrônico emborrachado capaz de registrar a impressão plantar, possibilitando o cálculo dos dados espaciais e temporais da marcha10. O tapete contém 18.824 sensores de pressão embutidos, com 90 cm de largura por 566 cm de comprimento e 0,6 cm de espessura. O sistema possui um software para análise dos dados e documentação de nove parâmetros temporais e seis espaciais. Um grande número de estudos comprovou a validade e a confiabilidade de suas medidas em relação às técnicas já existentes, incluindo estudos com idosos10-12.
O desempenho funcional foi avaliado utilizando-se o Dynamic Gait Index (DGI)14, que é constituído de oito tarefas funcionais que envolvem a marcha em diferentes contextos sensoriais, incluindo andar em uma superfície plana, mudanças na VM, movimentos da cabeça, passar por cima e contornar obstáculos, girar sobre seu próprio eixo corporal, subir e descer escadas. Os escores variam de 0 a 24 pontos e, quanto maior a pontuação, melhor é o desempenho funcional do indivíduo. Esse instrumento foi desenvolvido por Shumway-Cook e Woolacott15 e foi adaptado para a população brasileira por De Castro, Perracini e Ganança14. O DGI é capaz de distinguir sujeitos com distúrbios de equilíbrio, oferecendo medidas úteis na identificação de alterações de marcha16.
Para avaliação da funcionalidade também foi utilizado o teste Timed Up and Go (TUG), que é uma medida de mobilidade com boa confiabilidade inter e intra- examinadores (ICC 0,99)17,18. Como esse teste avalia uma série de manobras usadas no dia a dia, correlaciona-se bem com medidas de equilíbrio, VM e habilidades funcionais. O TUG permite avaliar o equilíbrio sentado, a transferência da posição sentada para a de pé, a estabilidade na deambulação e a mudança no curso da marcha19.
O questionário Physical Activity Trends (PAT) é um instrumento utilizado para classificar o nível de atividade física, considerando o tipo de atividade, sua frequência e duração, sendo o indivíduo categorizado como "inativo", "insuficiente", "moderado" ou "vigoroso"20.
Procedimentos
O GA foi recrutado por telefone a partir de uma coorte de indivíduos submetidos à ATQ em um hospital da rede pública, e o GC foi selecionado em projetos de extensão universitários e por demanda voluntária a partir de divulgação dos propósitos do estudo.
Aplicou-se um questionário com dados pessoais e clínicos, elaborado para essa pesquisa, visando caracterizar os participantes e, em seguida, foi feita a classificação do nível de atividade física utilizando-se o PAT20. Após esses procedimentos, foram aplicados os testes funcionais DGI e TUG e feita a análise de marcha no sistemaGAITRite®. A avaliação foi realizada em um único dia, com intervalo mínimo de cinco minutos entre as medidas para minimizar possíveis efeitos de fadiga muscular. A ordem de execução dos testes foi aleatória com sorteio da sequência de medidas, sendo todas elas coletadas pelo mesmo examinador.
Conforme determinado em estudo piloto, os voluntários foram orientados a deambular sobre o GAITRite® em quatro situações de teste distintas6, completando ao todo seis voltas em cada situação. As orientações foram específicas para cada situação: 1) andar da forma como anda normalmente, na VH; 2) andar o mais rápido possível, sem correr, na VR; 3) andar o mais devagar possível, na velocidade lenta (VL) e 4) andar normalmente enquanto fazia cálculos matemáticos, situação denominada tarefa dupla (TD)6,21,22. Para evitar a influência da aceleração e desaceleração, os indivíduos iniciaram a marcha a partir de um ponto localizado dois metros antes do tapete e a interromperam dois metros depois dele. Cada ponto foi demarcado por um cone.
Redução dos dados
Os parâmetros espaciais e temporais da marcha foram obtidos por meio do software específico do sistemaGAITRite®, em que também foi determinada a velocidade normalizada, dividindo-se a velocidade pela média do comprimento dos MMII23. Os dados relativos à velocidade normalizada, cadência, tempo do passo, comprimento do passo e duração das fases de apoio e apoio único foram registrados para cada indivíduo. Utilizou-se a média de cada um desses parâmetros para a análise estatística.
Para o processamento dos dados da marcha, foi calculado o índice de simetria (IS)24 das variáveis comprimento do passo, tempo do passo e duração das fases de apoio e apoio único. O IS consiste em uma medida que compara os parâmetros entre membro operado (MOP) e não operado (MNOP) por meio da seguinte equação, em que X é a média do parâmetro:

Valores do IS iguais a zero indicam perfeita simetria entre os membros. Valores negativos demonstram que os parâmetros do MOP são menores que os do MNOP, e valores positivos indicam parâmetros maiores no MOP. Para o grupo de idosos sem ATQ, MOP referiu-se ao membro inferior não dominante e MNOP, ao membro inferior dominante24.
Análise estatística
A análise de normalidade dos dados foi realizada utilizando-se o teste Shapiro-Wilk. Para a comparação entre os grupos, foram utilizados o teste t-Student para amostras independentes nos casos de dados contínuos e teste Qui-quadrado para os dados categóricos. Nas comparações entre MMII dos indivíduos com ATQ, foi utilizado o teste t-Student pareado e, nas comparações entre as quatro situações de teste de cada grupo, utilizou-se o teste ANOVA com medidas repetidas, com comparações múltiplas de Tukey. O nível de significância adotado foi de α=0,05. Os dados foram analisados por meio do programa SPSS, versão 17.0, em ambiente Windows.

Resultados
Participaram deste estudo 46 idosos, sendo 23 com ATQ (GA) e 23 sem ATQ (GC). Em relação às características clínicas e demográficas, não houve diferença entre os grupos no que se refere à idade, gênero, IMC e nível de atividade física (Tabelas 1 e 2). Ao se compararem o MOP e o MNOP do GA, observou-se diferença significativa nas quatro situações de teste distintas, com maior comprimento do passo, menor tempo do passo, menor duração das fases de apoio e apoio único no MOP. Os resultados estão na Tabela 3.




Na comparação entre GA e GC, observou-se menor VM no GA, além de maior IS do comprimento do passo, tempo do passo e duração das fases de apoio e apoio único. O GA apresentou maior média de tempo de TUG e menor média de escores no DGI (Tabela 4). Observaram-se, ainda, diferenças estatisticamente significantes nas comparações das diversas situações de teste dentro de cada grupo, em ambos os grupos, exceto ao se comparar a situação VL com a TD (Tabela 5).


Discussão
Este estudo teve como objetivos avaliar os parâmetros da marcha em situações distintas de teste e o desempenho funcional de um grupo de idosos com média de 2,6±1,27 anos de ATQ e um grupo com idosos sem ATQ. Os resultados demonstraram diferenças entre os grupos, com pior desempenho do GA, tanto nos parâmetros da marcha quanto nos testes funcionais. Quando os parâmetros da marcha foram comparados entre os membros do GA, também foram observados resultados estatisticamente diferentes.
A análise dos parâmetros da marcha após ATQ vem sendo discutida na literatura, a qual apresenta uma variedade de estudos realizados em períodos distintos do pós-operatório. Alguns autores avaliaram a marcha em indivíduos pós-artroplastia com 11 dias25, quatro semanas26, seis meses27, um ano9 e dez anos8, observando modificações em relação à VM8,25, comprimento do passo9,26 e tempo da fase de apoio8,27. A variação do período pós-ATQ nos estudos denota uma ausência de consenso sobre o período em que as modificações no padrão de marcha são mais evidentes. Os dados da presente pesquisa foram obtidos após a média de 2,6 anos de ATQ e apontaram para a permanência de alterações de marcha. Esse intervalo de tempo permitiu uma avaliação sem influência do período de cicatrização após a cirurgia, além de caracterizar uma fase em que os indivíduos já haviam se adaptado à nova condição de protetização. Os idosos do GA e do GC relataram ausência de dor no dia da coleta de dados, no entanto os resultados sugerem que, apesar da articulação protetizada estar apta a receber carga, os indivíduos não desempenharam suas funções normais.
A VM é um dos parâmetros mais utilizados na avaliação da marcha, não só por sua importância funcional, mas também pela facilidade em ser avaliada5,6. As várias formas descritas na literatura para sua análise permitem avaliar a marcha de forma semelhante às demandas ambientais e tarefas diárias6. O estudo de Sicard-Rosenbaum, Light e Behrman28 identificou valores médios da VH e da VR semelhantes aos do presente estudo, tanto no grupo com ATQ (VH=1,1 m/s e VR=1,5 m/s) quanto no GC (VH=1,30 m/s e VR=1,80 m/s). Apesar de a população avaliada pelos autores ter sido mais jovem (60,2±15,0), o período pós-operatório foi semelhante ao do estudo atual (23,6±14,8 meses). Similarmente, nossos resultados estão em consonância com os de Perron et al.29 que concluíram que a VM de idosos após o período de dois a quatro anos de ATQ permaneceu de 15 a 25% abaixo dos valores do GC. No presente estudo, foram observados valores do GA inferiores aos do GC com reduções de 16% na VH, 19% na VR, 14% na VL e 13% na TD. Vale ressaltar que a VM relaciona-se com a independência nas AVDs21, com o risco de quedas6 e com o medo de cair25. Tais achados estão de acordo com o presente estudo, uma vez que o GA apresentou piores escores no DGI, que é um instrumento capaz de avaliar a capacidade funcional do indivíduo em situações semelhantes àquelas exigidas nas AVDs. Além disso, sabe-se que a velocidade mínima necessária para se atravessar uma rua de forma segura é de 1,22 m/s30, sendo que os valores médios encontrados aqui foram 1,18 m/s no GA e 1,39 m/s no GC. Nesse caso, pode-se inferir que a população com ATQ estudada possui dificuldades para atravessar uma rua de forma segura e independente.
A diferença encontrada entre as diversas situações de teste em ambos os grupos comprova que as VMs foram alteradas de acordo com os comandos verbais. A ausência de diferença entre as situações VL e TD, encontrada nesta pesquisa, vai ao encontro do pressuposto de Hauer, Marburguer e Oester22, quando afirmaram que tanto o controle postural quanto as tarefas cognitivas ocorrem no nível cortical, possibilitando que uma atividade interfira na outra ou acarrete redução do automatismo22.
É estabelecido que os determinantes primários da VM são o comprimento do passo e a cadência31. No presente estudo, apesar de a cadência se comportar de forma linear com a velocidade nas distintas situações de teste e em ambos os grupos, não houve diferença estatisticamente significante ao se comparar a cadência entre GA e GC. Nesse caso, pode-se supor que a diferença da VM encontrada entre os grupos provavelmente se deu por diferença do comprimento do passo e não pela cadência.
Em contrapartida, ao se comparar o comprimento do passo entre os MMII dos indivíduos com ATQ, observou-se um maior comprimento no MOP. Esses resultados são semelhantes aos encontrados no estudo de Bennett et al.5que justificaram tais achados pela menor capacidade do quadril operado em executar o movimento de extensão, limitando a progressão do MNOP e reduzindo a capacidade de descarregar peso no MOP. Para os autores, a menor extensão do quadril operado durante o apoio terminal leva ao aumento dos movimentos no plano sagital tanto da pelve quanto do joelho e tornozelo ipsilaterais, com consequente ameaça da estabilidade articular e aumento do gasto energético durante a marcha32. No entanto, as amplitudes de movimento articular não foram objeto deste estudo, o que deve ser investigado futuramente.
O tempo do passo também foi menor no MOP ao compará-lo com o MNOP, gerando assimetria na marcha. O tempo do passo, medido em segundos, refere-se ao intervalo entre o contato inicial de um pé e o contato inicial do pé oposto33. Assim, a diminuição do tempo do passo pode ter afetado a duração das fases de apoio e apoio único. Essa relação foi observada nos resultados encontrados, uma vez que tanto o tempo do passo quanto a duração das fases de apoio e apoio único apresentaram valores inferiores no MOP, sendo essa diferença estatisticamente significante. As reduções da duração das fases de apoio e apoio único demonstraram menor capacidade do GA em descarregar peso no MOP, mesmo após média de 2,6 anos de cirurgia.
McCrory, White e Lifeso32 também observaram menor descarga de peso no MOP ao comparar as forças de reação do solo entre indivíduos com e sem ATQ. Os autores discutiram que a assimetria poderia ser justificada pela marcha antálgica adotada antes da cirurgia ou por alterações de força, amplitude de movimento e propriocepção do quadril, sugerindo que pessoas com doenças degenerativas articulares poderiam desenvolver estratégias adaptativas de marcha que se tornariam habituais, com reprogramação dos padrões de movimento.
O fato de o GA ter apresentado menor VM e maior assimetria em todos os parâmetros da marcha analisados e em todas as situações de teste, incluindo VL e TD, permite inferir que os indivíduos com ATQ apresentam menor tempo de apoio, maior comprimento do passo e menor descarga de peso no MOP em situações bastante semelhantes àquelas exigidas no dia a dia. Por sua vez, essa assimetria está associada ao pior estado funcional e ao risco de quedas21 e pode gerar consequências, como alterações degenerativas nas articulações do MNOP34, comprometimento da integridade da fixação de prótese35 e redução da densidade mineral óssea no MOP36.
A média de tempo de realização do TUG em segundos no GA foi de 14,67 e no GC foi de 10,08. Bohannon37indicou valores médios de referência do tempo de TUG estratificados por idade. Para indivíduos com idade entre 70 e 79 anos, que corresponde à faixa etária média da população do presente estudo, o autor determinou a média de 11,3s. Considerando esses achados, o GA estudado apresentou média de tempo de realização do TUG superior a esse valor, indicando um pior desempenho funcional, assim como uma diferença entre grupos de 4,59s. Thrane, Joakimsen e Thornquist38, em um estudo de base populacional, demonstraram que a diferença de 2,4s no tempo de realização do TUG é clinicamente relevante, o que sugere que o GA analisado neste estudo apresentou diferenças clínicas funcionais quando comparado ao GC, talvez influenciadas pelas alterações de marcha, uma vez que nenhum dos voluntários relatou dor no dia da coleta de dados.
Não foram encontrados até o presente momento estudos que utilizassem o DGI em idosos com ATQ, mas sabe-se que escores inferiores a 19 pontos têm sido associados com alterações de marcha e risco de quedas39. Whitney et al.40 concluíram que o DGI é um bom indicador de instabilidade da marcha, a qual se associa com o risco de quedas, tanto em idosos quanto em jovens, além de ser apropriado para avaliar a função de idosos saudáveis. No entanto, neste trabalho, apesar de haver diferença nos resultados entre GA e GC, ambos os grupos apresentaram média de escores superiores a 19 pontos, sugerindo a necessidade de mais pesquisas em relação a tal ponto de coorte em populações específicas.
Algumas limitações do estudo podem ser apontadas. Apesar do pareamento prévio da amostra ter sido confirmado por meio dos resultados relativos ao gênero, idade, IMC e nível de atividade física, estudos transversais não permitem afirmar relações de causalidade, impossibilitando afirmar que as diferenças entre os grupos sejam causadas pela ATQ. Para tanto, sugere-se o desenvolvimento de estudos longitudinais no futuro, a fim de analisar a marcha antes e após o procedimento cirúrgico. Alguns fatores de confusão foram minimizados pelo fato de as cirurgias terem sido feitas pelo mesmo cirurgião, com o mesmo acesso cirúrgico e tipo de prótese idêntico, mas o fato de aproximadamente 1/3 do GA apresentar osteoartrite em outra articulação dos MMII, mesmo que sem relato de dor no dia da coleta de dados, pode ter interferido nos resultados, assim como o não conhecimento do estado funcional antes da cirurgia.

Conclusão
Idosos submetidos à ATQ em consequência de osteoartrite apresentaram alterações da VM, do tempo e comprimento do passo e duração das fases de apoio e apoio único, mesmo após média de 2,6 anos de cirurgia. A assimetria foi evidente, com menor descarga de peso no MOP tanto durante a VH, quanto nas VR, VL e VH associada à tarefa cognitiva. Além disso, os idosos com ATQ apresentaram pior desempenho funcional no teste TUG, demonstrando que eles não retornaram à funcionalidade normal. Tais achados apontam para a necessidade de maior atenção na reabilitação pós-operatória de indivíduos com ATQ em relação aos treinos de marcha e funcionais.

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