domingo, 31 de maio de 2015

Lesão ligamentar do joelho associada à fratura diafisária do fêmur ipsilateral 

Injury of the knee ligaments associated with ipsilateral femoral shaft fractures 
Open Access funded by Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
Under a Creative Commons license
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Resumo

Objetivo

Determinar a incidência de lesão ligamentar do joelho em pacientes com fratura diafisária de fêmur ipsilateral.

Métodos

Foram avaliados 36 pacientes. Todos foram submetidos a exame físico e radiológico sob anestesia no momento da osteossíntese do fêmur.

Resultados

O mecanismo de trauma mais comum foi o acidente com motociclistas. Apresentaram lesão ligamentar do joelho 11 (30,5%) pacientes e foram encontradas lesões centrais (64%) e periféricas (36%). Nenhuma das lesões foi tratada no momento da fixação da fratura.

Conclusão

Ressalta-se a dificuldade do diagnóstico no ato da admissão e a necessidade de exame físico sistematizado antes e após o tratamento cirúrgico da fratura femoral.

Abstract

Objective

With the objective of identifying the incidence of ipsilateral knee ligament injury, thirty-six patients with femoral shaft fractures were evaluated.

Methods

During the osteosynthesis procedure to repair the femur while under anesthesia, all patients underwent a physical examination and x-ray examination.

Results

The most common mechanism of injury observed was motorcycle accidents. Of the thirty-six patients that were studied, eleven patients (30.5%) had a knee ligament injury. Of the eleven patients, 64% had a cruciate ligament injury. The ligament injury was not treated at the time of the osteosynthesis procedure.

Conclusion

We highlight the difficulty of diagnosis at time of admission and the need for systematic physical examination before and after surgical treatment of femoral fracture.

Palavras-chave

  • Fratura
  •  
  • Fêmur
  •  
  • Ligamentos
  •  
  • Joelho

Keywords

  • Fractures
  •  
  • Femur
  •  
  • Ligaments
  •  
  • Knee

Introdução

As fraturas do fêmur são graves lesões que rapidamente atraem a atenção do médico e é frequente a associação com outras fraturas. Além dessas, podem estar associadas lesões ligamentares do joelho ipsilateral, que na sua grande maioria são diagnosticadas tardiamente. Walker e Kennedy1 relataram essas lesões ligamentares como silenciosas ou ocultas e cursaram com falta do diagnóstico em até 78% nessa fase, com consequências negativas para pacientes e ortopedistas.
Na literatura foram encontradas referências da associação entre essas lesões com o aumento dos acidentes de alta energia.2 and 3 Trickey4 relatou que o acidente de trânsito é o trauma mais frequente nessa associação de lesões.
Incidências de 32%5 a 48%6 são relatadas para lesão ligamentar em portadores de fratura ipsilateral do fêmur. Van Raay et al.6 descreveram tempo de até 12,8 meses entre o traumatismo inicial e o diagnóstico.
Para o diagnóstico das lesões ligamentares nessa associação, vários métodos já foram relatados. Esmaeilijah et al.3 usaram o exame físico sob anestesia, De Campos et al.2 usaram artroscopia, Walker e Kennedy1 usaram a fixação distal do fêmur associada a radiografias do joelho sob stress e Dickson et al.7submeteram os pacientes a exame de ressonância magnética. Nos centros de referência de atenção ao trauma ortopédico, o estabelecimento de um protocolo para identificação desses casos é fundamental, com vistas a estabelecer o tratamento correto na janela de oportunidade adequada.478 and 9
O paciente politraumatizado que apresenta fratura diafisária de fêmur tem a lesão ligamentar do joelho como um desafio diagnóstico pela dificuldade criada no exame físico, que é fundamental para a definição de tratamento e prognóstico.4678 and 10

Materiais e métodos

Entre 1/3/2011 e 1/3/2012 foram avaliados os joelhos de todos os pacientes portadores de fratura diafisária do fêmur ipsilateral atendidos em nosso serviço e submetidos à osteossíntese por qualquer método, a fim de avaliar a prevalência de lesões ligamentares.
O exame de rotina foi feito durante a mesma indução anestésica para a osteossíntese da fratura do fêmur, o que não gerou riscos, desconfortos ou custos adicionais para o paciente ou a instituição. Em todos os casos o exame semiológico foi feito por mais de um profissional e sempre confirmado por um profissional experiente em cirurgia do joelho.
Os dados foram coletados em banco de dados e avaliados posteriormente pelo programa EPI-Info.
Sabe-se que na avaliação da lesão aguda do joelho o padrão-ouro é o exame físico, feito algumas vezes sob anestesia, associado ao estudo por ressonância magnética.7 Na nossa instituição o exame por ressonância magnética é de difícil obtenção, o que tornou o exame físico sob anestesia e as radiografias sob estresse de fundamental importância para o diagnóstico.
Foram incluídos os pacientes portadores de fratura diafisária do fêmur sem histórico de outras lesões agudas ou crônicas no membro inferior ipsilateral. Foram excluídos os pacientes com lesão prévia no joelho pesquisado e pacientes com outras fraturas no membro inferior ipsilateral.
O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelo paciente na ocasião da própria internação ou em consulta ambulatorial subsequente e o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas (CEP).

Resultados

Nossa casuística se compõe de 36 fraturas diafisárias de fêmur, nas quais foram encontrados 11 (30,5%) casos com lesão ligamentar no joelho ipsilateral, seis à esquerda e cinco à direita.
O mecanismo de trauma, na grande maioria dos casos, foi o acidente de trânsito. Desses, três foram automobilísticos e seis motociclísticos (fig. 1).
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Figura 1.
Representação da incidência dos mecanismos de trauma.
A idade variou entre 16 e 45 anos, com média de 27,5 anos, e somente um paciente era do sexo feminino.
As fraturas foram identificadas de acordo com a classificação Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen (AO), seis foram do tipo A, quatro do tipo B e uma do tipo C.
A distribuição quanto ao tipo de lesão está representada na tabela 1. Foram encontrados três casos de lesão de ambos os ligamentos cruzados (um associado à periferia lateral e medial e dois associados somente à periferia medial), três casos de lesão do ligamento cruzado posterior (dois associados com periferia lateral e um com periferia medial), um caso de lesão do ligamento cruzado anterior (associado com periferia medial) e quatro casos de lesão periférica isolada (duas mediais e duas laterais).
Tabela 1.
Frequência quanto ao tipo de lesão ligamentar observada em 36 casos de fraturas ipsilaterais do fêmur
Tipo de lesão ligamentarN° de casosPercentagem
Lesão LCA + LCP*327%
 Lesão do LCP*327%
 Lesão do LCA*19%
 Lesão periférica isolada436%
*
Associada à periferia.
As lesões ligamentares identificadas não tinham sido diagnosticadas ou relatadas em prontuário anteriormente.
Nenhuma das lesões ligamentares foi tratada no momento da fixação da fratura.

Discussão

Quanto à incidência de lesões ligamentares do joelho (LLJ) associadas à fratura diafisária de fêmur ipsilateral, estudos mostram semelhança com nossos resultados. Szalay et al.9 identificaram 27% de instabilidade do joelho em 114 pacientes portadores de fraturas do fêmur. Faccini et al.11 reavaliaram 97 joelhos de pacientes com fraturas do fêmur e diagnosticaram 26,7% de LLJ. Braga et al.5 encontraram 31% de LLJ em 29 casos.
Outros estudos indicaram incidências inferiores. Moore et al.10 observaram somente 5,3% de LLJ em 320 fraturas do fêmur revistas. Dickob e Mommsen12 revisaram 59 fraturas diafisárias do fêmur e encontraram 18,6% de LLJ.
Os traumas de alta energia capazes de fraturar o fêmur aumentam o índice de outras lesões associadas e o joelho segue como uma das regiões mais frequentemente atingidas.
Ressaltamos a maior incidência de lesão do LCP em relação ao LCA, provavelmente por envolvimento de traumas na região anterior do joelho, e também a associação da lesão ligamentar central, que em todos os casos esteve associada com alguma lesão periférica (tabela 2).
Tabela 2.
Frequência das lesões ligamentares centrais com ou sem associações
Tipo de lesãoAssociaçõesN° de casos
Lesão LCASem periferia0
Com periferia1
Lesão LCPSem periferia0
Com periferia3
Lesão LCA + LCPSem periferia0
Com periferia3
Com quase um terço dos pacientes acometidos por essa associação, seria de se esperar uma maior frequência de diagnósticos precoces. Mas o que ocorre é que, por causa da dificuldade de se fazer o exame ligamentar na fase pré-osteossíntese, muitos casos só são diagnosticados tardiamente e perde-se em alguns deles a oportunidade de abordagem cirúrgica na fase aguda.

Conclusão

A associação entre lesões ligamentares do joelho e fratura ipsilateral do fêmur é frequente e atinge quase um terço dos casos registrados. A atenção direcionada à fratura do fêmur e a dificuldade de fazer o exame físico antes da estabilização da fratura podem explicar o alto índice de casos diagnosticados tardiamente. O exame físico logo após a fixação da fratura, com o paciente anestesiado e com o auxílio de radiografias de estresse, pode ajudar a esclarecer a maioria dos diagnósticos e permitir o tratamento precoce que for mais adequado.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências

    • 2
    • J. De Campos, C.T. Vangsness Jr., P.O. Merritt, J. Sher
    • Ipsilateral knee injury with femoral fracture. Examination under anesthesia and arthroscopic evaluation
    • Clin Orthop Relat Res (1994), pp. 178–182
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    • 3
    • A.A. Esmaeilijah, H. Heidary, M. Shakiba
    • Association of knee ligament injury with ipsilateral femoral shaft fractures
    • Ir J Orthop Surg, 2 (2004), pp. 37–39
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    • 5
    • G.F. Braga, F.M. Cunha, A.P. Lazaroni
    • Instabilidade do joelho associada à fratura do fêmur
    • Rev Bras Ortop, 34 (1999), pp. 329–332
    • 11
    • R. Faccini, E. Sartori, R. Biscione, L. Lupi
    • Association between fracture of the diaphysis of the femur and lesion of the ligaments of the knee
    • Chir Organi Mov, 78 (1993), pp. 177–182
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Trabalho realizado no Hospital Maria Amélia Lins, Fundaao Hospitalar do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.
Autor para correspondência: Rua dos Otoni, 772, Santa Efigênia, Belo Horizonte, MG, Brasil. CEP 30150-270.

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